Filantropia Estratégica no Divã

Supported By :
In Partnership With:

Proximate Brasil

A collaboration between Proximate and Philó to explore participatory problem-solving in Brazil

Read this article in English.

A Filantropia Estratégica entra na sala da terapista junguiana.

Fluente em objetivos SMART e KPIs, caminha com um olhar confiante em seu moletom da Patagônia com a logo TEDx. Sabendo não estar muito preparada para questionar a si própria, mas consciente de que algo está errado ao não entregar a prometida escala, senta-se e respira fundo, sentindo o cansaço dos últimos congressos internacionais que insistem em focar em decolonização da filantropia. Na sua frente, sentada em uma poltrona de couro vegano, a terapeuta junguiana acende um incenso. O aroma de “complexidade não-linear” se espalha pela sala. A terapeuta toma um gole de sua bebida, possivelmente um kombutcha feito em casa, e a sessão começa.

A Filantropia Estratégica rebola na cadeira: “obrigada por me encaixar. Eu não tenho o costume de me analisar, mas andam me aconselhando a otimizar a minha… como é a palavra? Ah, postura de impacto”. A analista pergunta: “curioso, o que faz você achar que sua postura está desalinhada?”

“Olha só, eu otimizei o modelo, consegui fazer com que nos movêssemos de uma filantropia puramente caritativa. Isso é sistêmico, baseado em dados, enfrenta a raiz dos problemas sociais. Mas, ultimamente… quanto mais medimos, mais parece que estamos remando sem sair do lugar. Guerras, ameaças democráticas… Além disso, as pessoas ficam me chamando de extrativista e colonialista… mesmo quando financiamos igualdade, diversidade e inclusão. Eu não entendo, o que mais podem querer de mim?”

A terapeuta pensa. “Hummm… Parece que você construiu sua casa em um terreno que está em movimento. Me conte uma coisa: você tem sonhos?”

Confusa, a Filantropia Estratégica responde: “eu modelo sonhos. Eu planejo cenários escaláveis globalmente com dados das melhores cabeças brancas pensantes e colaboração entre setores e organizações financiadoras, sempre otimizando os 5% de recursos que os fundos patrimoniais têm disponíveis todos os anos para mudar o mundo, enquanto o resto do dinheiro… bom, o resto do dinheiro é para outra sessão. Foco.”

Com os dedos no queixo, na melhor representação do emoji do pensador de Rodin, a terapeuta dá um gole no kombucha e fala: “não foi bem isso que eu quis dizer. Mas estou te ouvindo.... Talvez você esteja presa em um arquétipo, o do engenheiro da mudança. Preciso, baseado em dados, em busca contínua por otimização de processos e tecnologia, sempre a partir de uma base de conhecimento que entende por científica e legítima. O que pode dar errado, né? Mas, para além disso, estou aqui me perguntando se não há um sofrimento mais profundo…”

Um pouco surpresa, a Filantropia Estratégica oferece, sem sombra de dúvida, ou qualquer outra sombra que possa enxergar: “eu não sofro… eu paro, replanejo e recomeço. Sou resiliente, maleável, adaptável e estou acostumada a redesenhar minha teoria de mudança a cada trimestre.”

“Deixe-me reformular”, oferece a terapeuta. “Há uma parte sua que teme que todas as suas estruturas estejam agindo como um andaime de um prédio em colapso. É isso?”

Após uma pausa, Filantropia Estratégica responde: “talvez”. “Talvez eu esteja apenas cansada. No último trimestre adotamos uma ferramenta de responsabilidade relacional que gerou bons resultados apesar do tempo perdido falando com pessoas”. “Mas nada pareceu muito diferente… os parceiros ainda sussurram sobre dinâmicas de poder. Os destinatários de recursos ainda parecem sorrir amarelo. Tudo tem aquele cheiro enxofrado do tipo…eu finjo que faço e você finge que acredita, contanto que saia lindo no relatório anual”.

Depois de uma pausa, Filantropia pergunta: “a serviço de que estou, realmente?”

“Ah!” exclama animada a terapeuta, como quem vê um discreto faixo de luz pelo buraco de uma porta espessa de aço fundido: ”É uma ótima pergunta!. Fique com ela. Sustente o incerto.”

Filantropia Estratégica, já arrependida, se mexe desconfortavelmente… “Não estou aqui para filosofar! Estou aqui para a traçarmos uma estratégia. Eu faço coisas. Financio coisas. Transformo sistemas.”

“Exato”, responde a terapeuta, “E quem transforma você? Mas nosso tempo acabou”. Pensa por alguns segundos. “Proponho fecharmos um pacote de 150 sessões semanais”.

More Reads

No items found.

Proximate is an independent media platform covering movements for participatory problem-solving. We look at the news through the lens of money: how it’s given away, how it’s invested, and how it’s distributed by government.
We are a fiscally sponsored project of Movement Strategy Center.

Get Our Monthly Issues

Proximate
© 2025 PROXIMATE ® ALL RIGHTS RESERVED.